Segue os trechos das Obras de Jorge Amado. Vamos trabalhar com eles na próxima aula para homenagear o aniversário do escritor, dia 10 de Agosto. Postarei mais até sexta-feira.
TRECHO 1 - Para Filipe:
- Vou mandar arrancar teus ovos, Príncipe de Merda, negro imundo.
A face ardendo, a vista turva, o Príncipe fosse-lá-do-que-fosse - de ébano ou de merda - com a mão esquerda segurou o Barão pela jaqueta de montaria, com a direita encheu-lhe a cara de porrada. Só parou de bater quando acudiu gente, vinda da casa-grande e do banguê, num alvoroço que tinha algo de festivo: não é todos os dias que se assiste ao espetáculo do esbofeteamento de um senhor de engenho.
Cabeça e colhões postos a prêmio, Castor ganhou o mundo. Houvesse demorado, nem sequer a senhora Baronesa teria podido salvá-lo, se quisesse interferir a seu favor. Não queria: afetada pela traição do negro - Aie! Madeleine, le plus beau noir du monde, le plus vilain des hommes! - Madama adoecera, guardara o leito em dias melancólicos, mas reagira e preparava-se para uma viagem à Europa em companhia do Barão, numa segunda lua-de-mel, bem merecida.
Tocaia Grande, Jorge Amado
TRECHO 2 - Para Cláudia:
Vírgílio sabia que se Margot fosse a Ilhéus não tardaria a ouvir algum comentário maledicente. E seria um inferno, ela era capaz de um escândalo que inclusive envolvesse a Ester. E Virgílio não sabia colocar juntas, num mesmo pé, Ester e Margot. Esta fora a amante dos tempos de estudante que são tempos de loucura. Ester era o amor descoberto entre as matas, aquele que chega um dia e é mais forte que o mundo. Não queria que ela fosse, estava decidido. Mas não a queria ferir também, ele não sabia magoar uma mulher. Procurava como um desesperado um argumento decisivo. E acreditou encontrá-lo quando disse a Margot que não queria deixá-la em Ilhéus sem poder cuidar dela, tinha ciúme dos outros, a casa de Machadão, onde ela pousava sempre, era a casa de mulheres mais frequentada pelos coronéis de maior fortuna. Era por ciúmes que não a levava. Disse dando à sua voz a maior força de convicção que conseguiu. Margot sorriu por entre as lágrimas, Virgílio se sentiu vitorioso. E esperava poder dar o assunto por terminado, quando ela veio, sentou-se no seu colo e falou:
- Tá com ciúme da tua gatinha? Por quê? Você sabe que eu nem ligo pras propostas que me fazem. Se eu me soquei aqui foi por tua causa, por que havia de te enganar?
Beijou-o muito, agora pedia:
- Leva tua gatinha, meu negro, eu juro que não saio. Só com você pra ir ao cabaré. Não saio do quarto, não converso com homem nenhum. Quando você não tiver tempo eu passo o dia trancada...
Terras do Sem Fim, Jorge Amado
TRECHO 3 - Para Beto e Leandro, com participação de Gabriel, Marcos, Ricardo, André, Eli e Laiane Vitória.
Contam no cais da Bahia que quando morre um homem valente vira estrela no céu. Assim foi com Zumbi, com Lucas da Feira, com Besouro, todos os negros valentes. Mas nunca se viu um caso de uma mulher, por mais valente que fosse, virar estrela depois de morta. Algumas, como Rosa Palmeirão, como Maria Cabaçu, viraram santas nos candomblés de caboclo. Nunca nenhuma virou estrela.
Pedro Bala se joga n´água. Não pode ficar no trapiche, entre os soluços e as lamentações. Quer acompanhar Dora, quer ir com ela, se reunir a ela nas Terras do Sem Fim de Yemanjá. Nada para diante sempre. Segue a rota do saveiro do Querido-de-Deus. Nada, nada sempre. Vê Dora em sua frente, Dora, sua esposa, os braços estendidos para ele. Nada até já não ter forças. Bóia então, os olhos voltados para as estrelas e a grande lua amarela no céu. Que importa morrer quando se vai em busca da amada, quando o amor nos espera?
Que importa tampouco que os astrônomos afirmem que foi um cometa que passou sobre a Bahia naquela noite? O que Pedro Bala viu foi Dora feita estrela, indo para o céu. Fora mais valente que todas as mulheres, mais valente que Rosa Palmeirão, que Maria Cabaçu. Tão valente que antes de morrer, mesmo sendo uma menina, se dera ao seu amor. Por isso virou uma estrela no céu. Uma estrela de longa cabeleira loira, uma estrela como nunca tivera nenhuma na noite de paz da Bahia.
A felicidade ilumina o rosto de Pedro Bala. Para ele veio também a paz da noite. Porque agora sabe que ela brilhará para ele entre mil estrelas no céu sem igual da cidade negra.
O saveiro do Querido-de-Deus o recolhe.
Capitães da Areia, Jorge Amado
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