"O ator curioso é aquele que investiga, ler e descobre a historicidade de cada personagem por ele criado." Pawlo Cidade

sábado, 1 de setembro de 2012

TEATRO ABSTRATO



É possível a existência de um Teatro abstrato? Assim como existe abstracionismo nas artes plásticas? Pense na palavra abstrato. No dicionário ela designa uma qualidade separada do sujeito. É portanto algo difícil de se compreender; distraído; absorto. Na aritmética diz-se do número em si em oposição ao concreto. Na gramática é algo que compreende ideias, qualidades, estados, ações. Enfim, é o que se considera existente somente no domínio das ideias e sem base material.

“Sempre se observa, em contrapartida, um processo de abstração e de estilização da matéria teatral, tanto na escritura quanto da cena”, afirma Patrice Pavis. E complementa: “Todo trabalho artístico, e singularmente toda encenação, abstrai-se da realidade ambiente; ela está antes mais próxima da poesia – que trata do geral – do que do Teatro – que trata do particular.”
       
      Seria Gerald Thomas um encenador de um Teatro abstrato? Se é da natureza da encenação organizar, filtrar, abstrair e extrair a realidade, então, podíamos dizer que certas estéticas sistematizam este processo de abstração como na obra de Gerald Thomas. Para quem não o conhece, este carioca é o mesmo em que em outubro de 2003, na apresentação de sua montagem Tristão e Isolda no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, diante das vaias do público, mostrou as nádegas e simulou um ato de masturbação. Foi acusado de cometer ato obsceno, mas acabou absolvido no Supremo Tribunal Federal. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes descaracterizou o crime, considerando que o ato "não passou de um protesto grosseiro contra o público."
                
      O abstrato está para o Teatro como “a simplificação, a redução ao essencial, ao elementar, ao primário, para opor uma unidade à multiplicidade das coisas.” E isto só pode resultar em geometrização das formas, simplificação dos indivíduos e dos movimentos, percepção de códigos, das convenções e da estrutura de conjunto.


O abstracionismo, nas artes visuais ou plásticas, não representa objetos próprios da nossa realidade concreta exterior. Ao invés disso, usa as relações formais entre cores, linhas e superfícies para compor a realidade da obra, de uma maneira "não representacional". Surge a partir das experiências das vanguardas europeias, que recusam a herança renascentista das academias de arte, em outras palavras, a estética greco-romana.

Talvez, a arte abstrata tenha mesmo influenciado o Teatro. Daí se tenha a concepção de que um Teatro com esta vertente possa ser chamado de “moderno”. Ou ainda, um momento de devaneio do encenador. O fato é que, produções com a de Gerald Thomas ou a captação para o Teatro de obras como a de Oscar Wilde tenha provocado tanta inquietação naqueles que acreditam que o Teatro também pode ser real. Mesmo que ele não passe de uma farsa.

Pawlo Cidade
Publicado na Coluna Coxia, Caderno 2, 
Diário de Ilhéus, em 01/09/2012
As  ilustrações são do  pintor russo Kadinsky (1866-1944)

Um comentário:

  1. Gostei dessa publicação! Realmente teatro não é uma farsa e sim a representação dos nossos sentidos mais sinceros!

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