É possível a existência de um
Teatro abstrato? Assim como existe abstracionismo nas artes plásticas? Pense na
palavra abstrato. No dicionário ela designa uma qualidade separada do sujeito.
É portanto algo difícil de se compreender; distraído; absorto. Na aritmética
diz-se do número em si em oposição ao concreto. Na gramática é algo que
compreende ideias, qualidades, estados, ações. Enfim, é o que se considera
existente somente no domínio das ideias e sem base material.
“Sempre se observa, em
contrapartida, um processo de abstração e de estilização da matéria teatral,
tanto na escritura quanto da cena”, afirma Patrice Pavis. E complementa: “Todo
trabalho artístico, e singularmente toda encenação, abstrai-se da realidade
ambiente; ela está antes mais próxima da poesia – que trata do geral – do que
do Teatro – que trata do particular.”
Seria
Gerald Thomas um encenador de um Teatro abstrato? Se é da natureza da encenação
organizar, filtrar, abstrair e extrair a realidade, então, podíamos dizer que
certas estéticas sistematizam este processo de abstração como na obra de Gerald
Thomas. Para quem não o conhece, este carioca é o mesmo em que em outubro de
2003, na apresentação de sua montagem Tristão e Isolda no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, diante das vaias do público, mostrou as nádegas e
simulou um ato de masturbação. Foi acusado de cometer ato obsceno, mas acabou
absolvido no Supremo Tribunal Federal. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes descaracterizou
o crime, considerando que o ato "não passou de um protesto grosseiro
contra o público."
O
abstrato está para o Teatro como “a simplificação, a redução ao essencial, ao
elementar, ao primário, para opor uma unidade à multiplicidade das coisas.” E
isto só pode resultar em geometrização das formas, simplificação dos indivíduos
e dos movimentos, percepção de códigos, das convenções e da estrutura de
conjunto.
O abstracionismo, nas artes
visuais ou plásticas, não
representa objetos próprios da nossa realidade concreta exterior. Ao invés
disso, usa as relações formais entre cores, linhas e superfícies para compor a
realidade da obra, de uma maneira "não representacional". Surge a
partir das experiências das vanguardas europeias, que recusam a herança renascentista das academias de arte, em outras palavras, a estética
greco-romana.
Talvez, a arte abstrata tenha mesmo influenciado o
Teatro. Daí se tenha a concepção de que um Teatro com esta vertente possa ser
chamado de “moderno”. Ou ainda, um momento de devaneio do encenador. O fato é
que, produções com a de Gerald Thomas ou a captação para o Teatro de obras como
a de Oscar Wilde tenha provocado tanta inquietação naqueles que acreditam que o
Teatro também pode ser real. Mesmo que ele não passe de uma farsa.
Pawlo Cidade
Publicado na Coluna Coxia, Caderno 2,
Diário de Ilhéus, em 01/09/2012
As ilustrações são do pintor russo Kadinsky (1866-1944)
Gostei dessa publicação! Realmente teatro não é uma farsa e sim a representação dos nossos sentidos mais sinceros!
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