"O ator curioso é aquele que investiga, ler e descobre a historicidade de cada personagem por ele criado." Pawlo Cidade

A COXIA



 A coxia é o trampolim

Os bastidores são, numa linguagem figurativa, o pré-texto da peça. Tudo aquilo que o espectador não consegue ver, mas que está lá. Sou da corrente que defende a ideia de que a personagem precisa também estar nos bastidores, também conhecido como coxia. A coxia é o lugar situado dentro da caixa teatral - mas fora de cena - no palco italiano, em que o elenco aguarda sua deixa para entrar em cena em uma peça teatral. Por analogia, é qualquer espaço situado fora de cena, em que os atores aguardam sua entrada.
Também nos bastidores estão o contrarregra, o sonoplasta (em alguns casos), o diretor, o cenotécnico e, claro, os atores e as atrizes. Quando digo que a personagem precisa estar na coxia, estou afirmando que o ator precisa estar concentrado, usando o pré-texto que está nos bastidores, pois, quando ele entrar em cena não precisará daqueles segundos que o separam o artificial do natural. São esses segundos que denunciam o ator, apresentando-o como um profissional essencialmente mecânico ou, espetacularmente, orgânico. Por isso ele deve estar só, mesmo acompanhado com os demais membros da equipe. A criação, a transformação, a concentração é um momento solitário. O artista precisa da solidão para criar. A solidão é sua eterna companheira, a amiga indispensável em sua catarse, em sua entrega, em sua personificação.
Para Daniel Freitas, ator e diretor de teatro, o ator precisa aprender “dominar seu corpo e sua técnica de atuação seja ela qual for. Isso significa: saber o que ocorre com seu corpo, a teoria que envolve ele e saber se expressar verbalmente sobre seu estudo teatral pessoal”. E isso ele descobre no processo de criação da personagem, nos momentos em que medita e constrói o pré-texto, também chamado de texto subjetivo ou ainda por Stanislavski de subtexto. Ele explica: “somos propensos a esquecer que a peça escrita não é uma obra de arte acabada, enquanto não for levada à cena pelos atores e tomar vida através de emoções humanas puras e autênticas; o mesmo se pode dizer de uma partitura musical, que não será uma sinfonia enquanto não for executada por uma orquestra em um concerto. No momento em que as pessoas, músicos ou atores, colocam sua própria vida no subtexto de qualquer material escrito a ser apresentado diante de um público, liberam-se as fontes espirituais e a essência interior...”
Daniel Freitas ainda comenta que através da busca de um ator orgânico é possível construir um trabalho forte e seguro quanto a atuação de qualquer estilo de teatro”. E ele está certo. Depois de todo o trabalho, de todo o estudo e exploração das possibilidades e limitações de cada um, o ator está preparado para atuar organicamente. A coxia funciona como porta de entrada. Como trampolim. Aqueles pulinhos antes de “saltar para a água”, é o pré-texto em ebulição. E quando o ator entra em cena, todo o seu corpo interpreta. Por isso se diz que determinado ator foi visceral.